Dia 3 (Mealhada - Condeixa)

05H30!!! O despertador toca e temos a leve sensação que dormimos a correr. De nada nos vale lamentar porque o dia é longo e há 40 km para fazer. Por isso pomos os pezinhos no chão. Primeiro o direito, depois o esquerdo e lentamente vamos transferindo todo o nosso peso para ver como a coisa corre. Uma vez mais não há dores nos meus pés e apenas algumas nos do meu marido que, estávamos certos, iriam desaparecer assim que aquecesse.

O dia acordou fresco e as previsões davam um céu nublado durante todo o dia - graças a Deus, porque este foi o dia mais penoso de todos e se, a juntar a isso, ainda estivesse um sol tórrido, a coisa poderia ter corrido menos bem... :)

"Esta é para ti, GUI!!!"



Todos os dias, antes de começarmos a andar, comíamos algo bastante energético e bebíamos um leite achocolatado. Neste dia, não sei se pelo cansaço acumulado, se por outro motivo qualquer, ao fim de uma hora comecei a sentir aquele fenómeno que referi quando andava nas caminhadas de preparação: um estranho movimento rotativo de tudo o que estava à minha volta sobre mim mesma. Como ainda era muito cedo, não pude tomar um café ou um copo de água com açúcar, de maneira que o maridão lá teve que servir de bengala por uns quilómetros para ver se a coisa ia ao sítio. Quando finalmente estava a melhorar, lá abriu uma tasca onde tomei o meu segundo pequeno almoço: um carioca (não bebo café simples) e um pastel de Tentúgal (não havia alternativa). Seguimos caminho para, em menos de uma hora, estarmos sentados na beira da estrada, com os pézinhos ao léu, a beber leite com café e um pão com manteiga - 3º pequeno almoço e só eram 9h30! Este momento foi inesquecível porque a escassos 3 ou 4 metros de nós havia uma "jovem", que envergava uma indumentária demasiado curta, com demasiados zebrados e demasiado batom vermelho que, sabe-se lá porquê ;) não parava de fazer olhinhos e beicinho ao meu maridão! Enfim... Quem ali passasse havia de considerar a panorâmica no mínimo, cómica!

"Hoje fiz mais uma amiga!!!... e é uma grande Porca..."




Uma outra situação que nos apercebemos durante esta viagem, e que se deve a utilizarmos quase exclusivamente as autoestradas, em detrimento das estradas nacionais, são o aspecto das áreas de serviço! Simples postos de gasolina, com um funcionário que abastece, uma mini-loja que vende lubrificantes, ao mesmo tempo que funciona como caixa/escritório e duas singelas casas de banho. Ao contrário do que estamos habituados (ou não, porque eu não costumo ir aos WC das áreas de serviço), encontrámos sanitas deploráveis. Ainda que as casas de banho não cheirassem mal, nem estivessem sujas, as sanitas e lavatórios, pareciam que tinham estado enterradas durante séculos, qual relíquia histórica da idade média, e tinham sido ali colocadas. Deste modo, já quase a chegar a Coimbra, quando encontramos uma casas de banho, daquelas pré-fabricadas, imaculadamente brancas, limpas e cheirosas, apeteceu-nos parar para, ali mesmo, fazer um sesta no chão! Mas isso não podia ser...

Pés na estrada e comecei a sentir o que, nesse dia, parecia não ter fim. Umas dores insuportáveis na planta do pé, como se tivesse pequenas pedras dentro da minha pele que me transmitiam horrores sempre que apoiava no chão a zona que exerce mais pressão. Neste dia, se tinha parado mais tarde para almoçar, era bem capaz de ter quebrado o meu objectivo de não chorar durante a viagem...

"E para as Pombas, não vai nada, nada, nada?"



À comidinha, sempre muito boa, seguiu-se uma sesta de apenas 20 minutos, sentada na cadeira em frente à mesa. Queríamos aproveitar o dia que estava muito encoberto para começarmos mais cedo, mas o cansaço era tanto que adormeci na mesma posição com que tinha almoçado. Durante os primeiros 5 minutos parecia que tinha agulhas a serem enfiadas na palma do meu pé, a que se seguiu meia hora com eles completamente anestesiados, isto é, sem qualquer dor, tendo-se instalado depois uma dor aguda (de novo as agulhas) durante toda a tarde! Apesar de estarem reunidas as condições necessárias para esta jornada ser mais acessível - tempo fresco, ausência de sol, percursos dentro das localidades, fim-de-semana (mais peregrinos na estrada) - este estava a ser, sem sombra de dúvida, o pior de todos os dias.  Ainda por cima parecia que havia quem ainda gostasse de gozar connosco...

"Definitivamente é mentira... vou processar a Sonae..."




Volvida uma hora e lá estava o casal peregrino maravilha sentado debaixo de um viaduto, às portas de Coimbra, mesmo em frente à estação de comboios. Definitivamente tínhamos que encontrar forças! É que a parte pior do dia vinha "já a seguir"...

"Em homenagem aos apoiantes Miguel Varela, Ana Lima, Maria Lima, Antonio Lima..."




Passada a ponte de Santa Clara, demos de frente com o desafio do dia e um dos maiores desta nossa aventura. A partir dali era sempre a subir até chegarmos a Condeixa, isto é, até ao final do dia. Conseguimos encontrar um caminho que, supostamente, era mais curto. Mas quem souber fazer umas contas facilmente conclui que se se encurtam distâncias e se é sempre a subir, então a inclinação será, certamente, muito maior. E a minha teoria foi rapidamente comprovada. Subimos, subimos, subimos, e continuamos a subir. O meu sogro, sempre solícito, ainda nos deu umas canas, feitas precisamente para este efeito, mas eu, ao contrário do meu marido, não me dei muito bem com o "equipamento" e só andei com ele uns breves quilómetros. E quando digo breves, quero dizer um ou dois, porque nessa tarde o tempo passava, o cansaço aumentava, mas os quilómetros permaneciam inalterados, o que me leva até ao próximo assunto.

Segundo o maridão, este é o dia da "resignação", sendo,
segundo ele, esta a expressão que melhor exemplifica este estado
de espírito - eu continuo a achar que esta é a expressão de alguém
cujo cérebro vegetou, mas, enfim!!
Nesta nossa aventura, fomos ficando cada vez mais atentos às placas indicadoras dos quilómetros que aparecem nas bermas das estradas. O meu marido gozava comigo porque eu passava a vida a perguntar "Em que Km vamos?" e "Em que Km íamos quando começamos", a que se seguiam contas e mais contas, por vezes mal feitas, da distância que tínhamos percorrido e da que tínhamos a percorrer... E então ele dizia que estava ansioso por chegar a Pombal, porque a partir daí entravamos por umas estradas secundárias que não indicavam quilómetros. 

Ainda assim, o que me valeu foi a boa disposição da minha cara metade que, quem o conhece sabe, é uma constante na sua vida.



"Vencedor do Concurso de halterofilismo de Antanhol (Condeixa) - Único participante..."



Foi a partir deste dia que percebi que umas palmilhas de silicone/gel poderia ter atenuado muito as dores que tive, que surgiram única e exclusivamente na palma dos pés. Mas como andar a pé não é a mesma coisa que andar de carro, e não tendo encontrado nenhuma farmácia no nosso percurso que vendesse o produto que queria, acabei por não adquirir nenhumas. 

Uma outra conclusão que tirei foi que as subidas são muuuuuuuito mais fáceis de suportar que as descidas. Ao subir, (vamos lá ver se me consigo explicar sem parecer que estou a dilacerar algum membro), conseguia abrir os pés na zona dos dedos, mantendo os calcanhares próximos... Bem isto não está a correr bem... Deixa-me ver se encontro uma imagem que exemplifique... Ora bem, aqui está:
Adoptar esta postura "à pato", permitiu-me transferir algum peso na parte interior dos pés, libertando as zonas mais massacradas. Ainda assim, neste dia os pobrezitos já tinham levado tanta tareia que isto pouco aliviou o seu suplício. E lá tivemos nós que parar para lanchar e trazer connosco o incentivo extra para fazermos os últimos quilómetros do dia - a minha santa sogra.

Inexplicavelmente (não sei se foi alguma coisa que ele comeu ou se foi picado por alguma nova espécie) o maridão começou a correr feito desalmado e só parou quando chegou lá acima, ao final do percurso deste dia. Coisas estranhas acontecem... 

Outra coisa muito esquisita que acontecia quase todos os dias é que, segundo os meus cálculos científicos de quilometragem, ficávamos sempre muito abaixo das expectativas, mas, segundo uma visita rápida do maridão ao "Google Maps", as coisas compunham-se sempre. Ainda hoje não tenho explicação para este fenómeno!!!

Este dia acabou muito bem. Os meus pais vieram ter connosco à aldeia dos meus sogros para nos mimar e nos dar forças para a segunda parte desta caminhada. Sim, porque já tínhamos feito metade dos quilómetros!!!!

"Dia 3: A peregrinação hoje estava fraca e as três palavras que melhor descrevem o dia são "Ai", "Ui" e "Au". Os outros sogros vieram ter connosco e, por ser tempo de lamber feridas, não posso fazer uma descrição muito pormenorizada da caminhada, apenas dizer que o que nos valeu foi mesmo a Fé!!! Hoje foi difícil medir distâncias porque andamos dentro das localidades e não havia placas, mas segundo o google, fizemos mais 38Km. Parece que já só faltam 70 Km - já começamos a ver a luz no fundinho (mesmo lá no fundinho) do túnel. Não temos dores nenhumas nas pernas, nem nas coxas, bolhas só o RG, mas pouco o incomodam e olhando para os nossos pés ninguém diria que temos peregrinado tanto! O pior é o que não se vê... Parece que caminhamos sobre finos pedaços de vidro, hora após hora, após hora e que estes se instalaram debaixo da nossa pele!!! Por isso amanhã todos com os emissores virados para os lados de Pombal porque precisamos de toda a força que nos puderem mandar! Beijos cada vez mais longínquos..."